terça-feira, 4 de setembro de 2018

Duquesa II



Um domingo de passarela. 
O alarido de artistas mambembes e a seresta da rua liberada pra pedestres. 
Duquesa é dourada, macia por fora e ciumenta por dentro. 
Olhos de ver mundo. O mundo  da avenida Paulista. 
Ao lado do dono, seu prado de concreto.
É terna como criança e forte como os mendigos e 
transgêneros,
que sofrem o preconceito do desfile dessa via.
Aos domingos, navega no clima. 
Enfeitada com flores de papel, do alto da carroça. 
Pro sorriso de criança,  é brinquedo. 
Sem paciência com os cães riquinhos que a rodeiam, range os dentes. 
Nesse  inverno que esmaece, aguça os sons da avenida. 
Risadas infantes. Desfile de tantos. 
Ela e ele se entendem. 
Ao crepúsculo adormece em frente a loja de grife. 
Uns passantes esvoaçantes. 
Nem te ligo. 

terça-feira, 17 de julho de 2018

Fifi



Cara de quem comeu
Bater asas não valeu
Bote certo e o beija-flor
Como a rosa, feneceu

Sobra azul pelo quintal
Só tristeza 
Penas mil

domingo, 27 de maio de 2018

Mambembe





Mambembe

Por: Suely Schraner 23.05.2018



Um dia outono

sol gélido lá fora

para além do ar condicionado

O busão cavalgava nas crateras paulistanas



Aí ele entrou

Suburbano

ele e o seu violão à tiracolo

Magro – os dois



Acordes a espantar o marasmo

Passageiras agonias



Primeira, segunda, quebra de asas

Brecadas secas a requerer equilíbrio

A vida na corda bamba

Sem rede de proteção



Melodias ecoam

suavizam o trajeto

Amortecem raivas, desesperanças



Passageiros vasculham seus bolsos

Minúsculo tilintar

Lembranças, moedas, porvir

Ir e vir




Cachês? Qual o quê.

A canção final:

“eu quero apenas cantar meu canto.

Eu só não quero cantar sozinho”



Era outono

Era manhã

Era musical




terça-feira, 10 de abril de 2018

No ventre do ônibus



Discurso no ventre do ônibus 

Por: Suely Schaner 

Aquele que nunca errou
Ainda assim, crucificado
Ele não tava na cruz tirando selfie, não 

Minha gente,quem nunca errou?
Alguns vão pra igreja esquentar banco
Mas não têm coragem de dizer:
bom dia! Boa tarde! Boa noite!

Na igreja é fácil 
Só chegar e escutar a palavra de Deus

Agora, pregar no coletivo, quero ver.
Vir aqui e falar dele, poucos vêm.

Uns viram o rosto 
Outros fingem dormir
Alguns empinam o nariz

Agora, se um presidente põe milhões no bolso
Lesa gente, lesa pátria
É nada

Agora, um ribeirinho não tem televisão, nem luz nem nada
Vive do peixe e a gente se afundando por causa dos materialistas que a gente põe lá 
Precisando de pegar moedinhas pra sobreviver 
Negão aqui tem que trabalhar

A gente  não é vítima, é  cara de pau 
e tem que aprender a votar
Então a gente merece o que passa


Vai morrer meu! A terra vai comer tudo
Branco, negro, rico e pobre
Quero ver quem vai sobrar

Quem puder contribuir com 1 realzinho
Tem a balinha de morango 
Tem também a de frutas

Muito obrigado 
Agradecido

Ébrio


centro de são paulo março 2018

domingo, 25 de março de 2018

Frida



Frida no sarau Clamarte


Os ruídos. Os motores. O pulso da vida. 
Mecânica.
O existir na oficina.

Na estação dos calores, entre mesas, cadeiras. 
As gentes.
Latidos em  backing vocal.

Fim de dia. Estação dos calores.
Noite de lua. 
Carnaval.

No recitar e nas artes, a graça é canina.
Um laço ata-se ao pescoço como a fidelidade e amizade ata-se ao dono.

Abana o rabo com o coração. Um rabo feliz. De criança festiva. 
E salta e corre. Aos pulos,  ziguezagueando pelo salão.

Entre humanos, tantos. 
Um afago aqui outro ali.
Tátil aconchego. 

Senhora do sofá da casa. 
Paladar de não ração. O pulso do querer. 

Focinho empinado. O faro da descoberta,  à  mil.
Não tem um dono. Ele é que a tem. 

Isso é Clamarte. 

Morre




Morre

De:Suely Schraner 
Para:Carlos Heitor Cony (1926-2017)

Ventre que abriga onde sonhos andaram. 
Memórias que acalentam quimeras. 
Histórias que engrandecem as mentes inquietas. 

Chegadas. 

Onde havia calmaria, desassossego. 
Silêncios ruidosos em almas emudecidas. 

Vale a vida para morrer? 
Substância dos que se vão, que aduba e aquece. 

Vem a chuva, a tempestade. Travessia de nuances mil. 

Chega a hora do adeus. Despedida sem pedaços. Refrigério.

Claras lembranças ensombradas. 

Liberdade de expressão. 

Os presentes. Os passados. 
Imortais. 

Abre-se. Desabrocha-se. Cresce-se. Amadure-se e morre. 

A vida consumindo o que a alimenta. 

Finitude revigora a crônica do agora. 

A ampulheta das horas. 
Ganha-ganha. Perde-perde. 
Prontidão dos segundos. 

Minutos, horas,

vai embora. 

Ano novo, vida nova.
Travessia. As margens de cá, as margens de lá. 

Sem palavras. 

As matérias da memória. 

Ressurreição. Um quase aqui. Um acolá.
Sigamos.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Duquesa



Duquesa

De: Suely Schraner 
Para: Duquesa, da avenida Paulista 



Eu sou quem inspira cartaz
Um cartaz de amizade

Você é quem compra na loja de grifes
Na famosa avenida paulista

O principal centro financeiro 
Daqui debaixo do equador

Meu céu,  a marquise
Ao lado,  a escadaria
- meu palácio de neon

A sociedade emblemática

No asfalto, ruídos vivos
Rua que não dorme jamais 

No meu sono
Ouvidos alertas
Passos , buzinas
Sina
A vigília do porvir

Partilhar olhares, nossa miséria 
Pobres ricos, ricos pobres

Duque (dux), o que me conduz
Duquesa, a mulher do duque
Aristocracia de asfalto

Ele e eu 
Eu e ele

Engulo o latido

Vigília do porvir
Sentinela do nada

Nos reconhecemos
Eu e ele
Ele e eu