Bengala branca. Esta bengala é um recurso fundamental para garantir a mobilidade do deficiente visual. Mantém a postura ereta. É como uma extensão do braço. Adepta da geometria. Com sua ponta ela toca linhas retas, linhas curvas e suas subdivisões. E toca também o lixo, pernas distraídas, entulho na calçada. Encaixa copos descartáveis jogados no chão.
A bengala, muitas
vezes, é rejeitada e dá medo. Remete ao preconceito. Sinônimo de velhice. Haja
vista o logotipo no bilhete do idoso, aquele, simbolizado pelo bonequinho
curvado, segurando uma bengala e simulando dor nos quadris. Ai, ai...
Na sala de reuniões, um grupo ávido por mais autonomia para finalmente poder circular por aí.
Um disse que a mobilidade está dentro da gente. Outro sonha ter três bengalas: uma para direcionar, outra para apoiar, e uma terceira para buzinar. Ideal de outro com as vistas avariadas: nunca fazer sinal para o caminhão do lixo parar pensando que era o ônibus.
Aprendi que, na Atividade Vida Diária (AVD), a terapeuta ocupacional, dá condições ao deficiente visual para fazer o quer, com mais segurança. Por exemplo, fritar um ovo sem se queimar.
Na Fisioterapia, o objetivo é fortalecer os músculos e desenvolver um bom padrão de marcha, ou seja, pisar primeiro o calcanhar e em seguida a planta do pé. Além disso, trabalhar a lateralidade: esquerda e direita.
No Programa de Orientação e Mobilidade, a importância da auto-segurança. Enfim, todas as áreas estão interligadas.
Neste compartilhar, um olhar mais apurado pela região da Vila Clementino. Uma legião aflui para aquele quadrilátero hospitalar: ruas Borges Lagoa, Pedro de Toledo, Marselhesa, Napoleão de Barros, Botucatu e Diogo de Faria.
Brigando com postes, saídas de garagem, reformas e calçadas esburacadas. Superando preconceitos. Construindo dias melhores.
Na condição de Guia Vidente, aprendo a verbalizar a lateralidade: ao invés de dizer de dizer “tem um lugar aqui”, falar: “tem um lugar à sua frente, à direita”. Que a pessoa com deficiência visual, deve segurar na altura do cotovelo do guia vidente, no pulso ou ombro, dependendo da diferença de altura entre ambos. Facilitar a acessibilidade.
Eu e ela atravessamos as mesmas ruas, percorremos estes caminhos. A geografia do cego é um mundo visto pelos ouvidos, vozes, cheiros e toques.
Não é um cajado de Moisés ou um cetro de Reis. É a sua bengala branca que a conduz. Segue compartilhando a via pública, os pisos táteis. Tateando vida afora, multiplicando respeito. Driblando preconceito e a falta de respeito de alguns. Ser incluída é poder circular pelo mundo com desenvoltura.
Outro dia, pedi a uma jovem no ônibus para dar o lugar para ela. A moça recusou dizendo que o banco para cegos era o outro, mais atrás. No fim, uma senhora que estava lá, levantou-se espontaneamente e cedeu o lugar. Percebi depois, que além de idosa ela estava indo para uma quimioterapia, no Hospital São Paulo.
Dias destes, ouvi de uma deficiente visual: “ tenho a preferencial, mas, se não me cuidar, me derrubam no chão”. Há néscios dos direitos e da solidariedade .Há também os que multiplicam respeito. Menos mal.
No quadro da recepção da Fundação, há uma inscrição que diz mais ou menos isso: a melhor maneira de agradecermos por enxergar é ajudar quem não vê. Uma maneira inefável de levar a vida. Na guerra contra o preconceito, compartilhando a via pública e multiplicando respeito.
Nota:
“Uma em cada cinco vítimas de quedas atendidas no Hospital das Clínicas,
(em agosto de 2012), se acidentou nas calçadas de São Paulo.”FSP 05.11.2012
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