terça-feira, 7 de setembro de 2010

Talentos da exclusão

O trânsito anda pela hora da morte, como diria a vó. Despende-se o triplo do tempo no trajeto. A cidade ferve na tarde gelada. Perueiros são como abelhas. Passam zunindo. Os passageiros vão sendo engolidos por esta modalidade de transporte. Na perua, uma cena curiosa: um homem se levanta e cede lugar para uma senhora. Ela lá em pé, impassível. Ele intrigado: - Não vai sentar? E ela: - Estou esperando esfriar... Ele já irritado: - Então fica aí que eu mesmo sento enquanto esfria... O cobrador, um “alto-falante” humano, cara e tronco pra fora da janela, grita: “Vai terminal, sobe a Alameda, Largo Treze?”
Já no ônibus, sucedem-se as mais diferentes profissões: vendedores (de balas, salgadinhos, decalques), pedintes, aleijados, cegos, surdos e até um mudo com seu ajudante-orador.
Entram e pedem para passar por baixo da catraca. Deitam de cara pra cima e rastejam. E com que desenvoltura! A ‘roleta’ é quase rente ao chão... Levantam-se rápido e discursam: “Senhoras e senhores! Desculpe estar aqui falando. Não quero atrapalhar a viagem de vocês. Estou desempregado, tenho filhos pra sustentar... Pedir não é vergonha! É melhor do que roubar algum trabalhador ou uma senhora, né? Vamos ajudar o próximo que Deus vai lhe devolver em dobro! Aceito ticket, moedas. Pode ser 1 real, 10 centavos, um alimento, qualquer coisa me ajuda”.
Deste modo, vão convencendo um ou outro a doarem suas moedinhas ou a comprarem suas coisas. Muitos dos passageiros fingem não ouvir, tamanha a freqüência com que entram e descem, num estranho balé humano. Homens, mulheres, tocadores de gaita, jovens vestidos de palhaços, idosos: verdadeiros artistas, neste palco sobre rodas. Talentos da exclusão.
Lá fora, os puxadores de carroça disputam o asfalto com os carros velozes...

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