terça-feira, 21 de setembro de 2010

A primavera podia ser mais alegre


Assim como ela é difícil da gente encontrar. Fácil é vê-la todas as manhãs, armada de vassoura, pá e saco de lixo, varrendo a praça que fica ao lado do córrego "Avenida dos Lagos”. Bem ali na esquina com a avenida Artur Cordeiro e a rua Luis de Pina, altura do 2300 da avenida Robert Kennedy, em São Paulo. Com suas luvas, vassoura e pá, vai limpando o lixo que toda essa gente deixa por aí. Gente que mora em casas e gente que mora na rua. Deixam todo tipo de sujeira: garrafas plásticas, papéis, roupas velhas e até cocô. Quando ela falta um dia, por motivo de força maior, a próxima limpeza é ainda mais dura. Muita gente não entende e até critica essa atitude cidadã. Ao invés de criticá-la devíamos é imitá-la.

Dia destes, uma ave conhecida como “enfermeiro das árvores”, surgiu com ânimo total a animar a praça. Era um pica-pau de cabeça amarela e um bigode vermelho (Celeus Flavescens).

Este tipo de ave se alimenta de larvas, insetos, formigas e cupins. Para o pica-pau a árvore oferece alimento, para a árvore ele extrai as pragas e a ajuda a manter a saúde. É carpinteiro e também percussionista, tamborilando suas mensagens. Faz uma cavidade na madeira martelando com o bico. Geralmente na fase produtiva. Martelou que martelou. Chamou a fêmea, que era uma pica-pau de cabeça amarela, loiríssima, um pouco menor que ele, porém sem o bigode vermelho, naturalmente. Ela chegou meio tímida, entrou olhou e parece que aprovou. Tudo indicava que aquela grande e velha árvore tinha sido escolhida para nidificar. Uma praça bem cuidada por uma bondosa senhora. 

Zeladora incansável. O pica-pau ia consertar a natureza de seus insetos nocivos e tratar a madeira da velha árvore. Vida boa pros filhotes que certamente viriam. Todos que passavam não se cansavam de admirar aqueles preparativos. Não demorou muito e notou-se que a cavidade no tronco da árvore estava cheia de lixo e pedras. Nada de pica-pau de cabeça amarela.

Morador de rua contou que viu menino capturar o pica-pau e até levar umas bicadas.

Voou pra longe a alegria dos passantes. Silenciou a percussão na velha árvore. Não mais o colorido do pica-pau. Não mais reprodução.

Dona Olga continua seu trabalho solitário. Limpar o chão é fácil, difícil é manter limpa a consciência das pessoas. A primavera podia ser mais alegre.


Um comentário:

  1. Comentários postados no:
    http://www.vivasp.com/comentarios.asp?tid=8276

    Nome: Nivaldo

    SOS Mundo.

    Nome: Osnir

    Comentário:
    Boa lembrança da Vera. Dias atrás vi uma cena que mostra bem o modo como tratamos os animais: num país do oriente eles cortam os peixes pela metade, penduram a parte due fica a boca e o peixe fica lá dependurado abrindo e fechando a boca por longo tempo. Uma judiação enorme. Aqui neste site já me referi o modo pelo qual os limpadores dos peixes nos pesqueiros agem. Limpam os peixes com escova de aço, ainda vivos... como se fosse um pedaço de pau. Mas, hoje, vi uma cena horrível e uma bonita: um belo monte de lixo deixado junto ao meio fio na Rua Lacerda Franco. Entulho, madeiras, pedaços de sofás. Tudo bem junto a um conjunto novo e grande de edifícios já prontos... E também vi uma bela ave circulando furtivamente por entre as árvores. Não pude ver exatamente que espécie era mas tudo leva a crer que era a popularmente conhecida alma-de-gato. Abraços. Belo texto.


    Nome: Vera Bertolucci

    Comentário:
    Exemplar a sua cronica. Gandhi dizia que se conhece o nivel de civilização de um povo pela maneira como trata os animais. Infelizmente a nossa maneira de conviver com a Natureza, nossa Mãe, mostra que ao contrário dos paises civilizados que cumprem o seu ciclo natural de vida: decolar da barbárie, sobrevoar a civilização e aterrissar na decadência, o Brasil decolou da barbárie e aterrissou na decadência sem nunca ter conhecido a civilização e nada poderá reverter esse ciclo. Temos que fazer a nossa parte tentando apenas diminuir o sofrimento causado por esse processo aos indefesos e inocentes.

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