terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dona Nize

Nos finais de semana, seu frango com batatas era sucesso de público e de crítica. Noras, filhos e netos reunidos. À noite o jogo de carteado era levado a sério. Tão a sério que tinha mesa com feltro, fichas e as apostas rolavam até a alvorada. Dizem que o pôquer é atraente por conciliar boa dose de sorte, inteligência e sensibilidade. É que os adeptos, involuntariamente, transmitem no jogo um movimento de olhos, lábios, cabeça, tremor de mão e muito outros sinais involuntários. Daí que os pios, os blefes e a suspeita de alguém estar "roubando", por vezes, gerava um quebra-pau danado. Quem ouvisse a gritaria nem imaginava que o valor da aposta era míseros centavos. Seus irmãos e cunhados na faixa dos "enta" ficavam "de mal pra toda vida". Entretanto, não resistiam até a próxima chamada para mais uma partida. Todos a postos ao redor do pano verde, fascinados e apostando seus centavos. A vida uma roleta russa.

Órfã de mãe muito cedo e um DNA de "gênio explosivo" como herança. Gênio este que lhe reservou alguns dissabores. Encarregada na farmácia da Santa Casa de Santo Amaro, o grande desafio era aprender o tal do cruzeiro novo, que devia constar nas planilhas. Falava duro e exigia disciplina, como convinha a um bom chefe naqueles idos. Brabeza só da boca pra fora. Se ralhava e brigava forte, no momento seguinte já estava presenteando a quem antes lhe incomodava.

Em casa, assistia à TV em preto e branco fazendo crochê colorido. Centrinhos de mesa com apliques de mini flores de todas as nuances. Um xale aqui, uma toalhinha acolá, um poncho e todos iam ganhando parte desta produção. Um olho na agulha e outro na filha caçula namorando.

Pela sua casa passaram muitos que não tinham onde ficar. Paixão mesmo era por cinema e cigarro. De tanto em tanto, caprichava numa feijoada completa ocasião em que reunia seus irmãos que foram "repartidos", ficando cada um com um tio ou tia, quando da morte de sua mãe. Seu pai, maestro no interior paulista, namorador, não demorou a casar novamente, com moça que podia ser sua irmã.

Foi casada com seu Nonô (o da história 'Vovô Nonô'), que lhe deu quatro filhos. Um matemático, outro jornalista (morto precocemente), uma advogada e outra professora.

Mas o coração e os pulmões arrefeciam. Gostava de feijoada e fumava muito. Morreu bebendo água e ouvindo música do CD novo que acabara de comprar.

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